xitizap # 32 |
Vida versus GWh |
a HCB e a Lei |
Cahora Bassa - montante |
Cahora Bassa - jusante |
Zambeze - outras cheias |
o Dia dos Generais |
Hidrodinâmicas no Zambeze |
soltas |
O Dia dos Generais
Por iniciativa do Governo, as recentes cheias no Zambeze foram a debate parlamentar na Assembleia da República (AR) e, como é usual, houve pranto, diabolização pluviométrica e muitos louvores ao socorro governamental às mais de 280,000 pessoas drasticamente afectadas.
Contudo, quando tudo parecia decorrer segundo os habituais cânones parlamentares, eis que um deputado da oposição passa a ler, na íntegra, o artigo que eu havia publicado em xitizap # 31 sob o título “A HCB foi bem gerida?”.
Apanhado em contra-pé, tal como eu aliás, o governo e respectiva bancada parlamentar gaguejaram, suaram frio e, por entre acusações de oportunismo político à oposição, várias vezes os representantes governamentais leram alto o convite que no final do artigo eu fazia à HCB; um convite para que a empresa apresentasse todos os dados hidrológicos relevantes para que todos pudessem melhor interpretar o papel das pontas de cheia HCB nas devastações no Vale do Zambeze.
Dias depois, a 29 de Março, e já após a mortandade provocada pela explosão do Paiol de Malhazine, o governo, representado pelo General Tobias Dai (Ministro da Defesa), regressou ao parlamento para apresentar a sua versão oficial sobre esta tragédia. E foi também nessa sessão parlamentar que a oposição apresentou uma proposta de resolução visando a audição do Conselho de Administração da HCB; como infelizmente parece ser lógico, a proposta foi chumbada sob pretexto de que não se viam circunstâncias excepcionais que justificassem a audição HCB e, mais a mais, a maioria governamental entendia que a Comissão de Actividades Económicas da AR poderia desenvolver tais diligêncas no quadro do seu normal trabalho parlamentar.
Incidentalmente, num ambiente já por si tenso e militarmente carregado, a defesa parlamentar do governo não esteve a cargo do líder da sua bancada, um administrador da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), mas viria antes a ser destinada a um outro militar – o General Hama Thai.
Armado com um longo discurso de 8 páginas, provavelmente preparado pela oficial-engenharia, o General não dispôs de tempo suficiente para lê-lo na íntegra. E foi pena porque, cada parágrafo do seu discurso vale ouro – em termos de dados pontuais certamente, mas também, paradoxalmente, pelos erros e contradições técnico-operacionais ao nível da interpretação dos dados - para não falar no preocupante vazio holístico na leitura das bacias.
Entretanto, e muito en passant, note-se que após uma absoluta negação inicial, a posição governamental evoluiu agora para “Contribuíram também, é certo.”
Embora não seja esta a altura, nem este o espaço adequado, para entrar nas tecnicidades da calamidade HCB, nomeadamente porque, em flagrante desafio da Lei 20/97, a HCB continua muda quanto aos dados insistentemente solicitados, civicamente impõe-se-me alertar as autoridades de protecção civil para algumas preocupações que o discurso parlamentar imediatamente me suscitou.
Desde logo ao nível da patente conflituosidade operacional entre a HCB e a ARA-Zambeze (check cronologia na figura). Uma conflituosidade que sugere a inexistência de curvas-guia bem definidas e universalmente aceites num ambiente que o próprio governo classifica como “de insuficiente informação que nem sempre flui atempadamente entre todos os utilizadores e instituições da bacia do Zambeze.”
Por outro lado, e igualmente grave, fica-se com a sensação de que não se sabe quem comanda a hidrologia no Zambeze moçambicano.
E é especialmente preocupante ouvir o General dizer:
“Não fora a solicitação da ARA-Zambeze para manter as descargas a nível muito baixo, deveria ter-se incrementado as descargas a partir de 19 de Janeiro. Se essa acção tivesse sido decidida e cumprida, então o hidrograma de caudal efluente não teria tido a expressão que teve, a cota teria sido encaixada debaixo da curva-guia mais cedo (por volta de 11 de Fevereiro) e o caudal máximo efluído (descarregado) seria mais baixo.”
Numa outra perspectiva, lamento constatar que o discurso da maioria governamental, provavelmente construído pelo enorme batalhão da oficial-engenharia, é tecnicamente pobre e frequentemente incorrecto – em particular ao nível da hidrodinâmica do Zambeze moçambicano.
E não me refiro apenas à irrelevância de se citar caudais instantâneos sem que se exiba o eixo do tempo de descarga, se misturar caudais com volumes, ou à estranhíssima e sistemática omissão dos caudais turbinados em simultâneo com as descargas – uns meros 2,200 m3/s a somar à coisa.
Refiro-me também ao modo como a oficial-engenharia interpreta a velocidade de escoamento ao longo das várias secções do Zambeze. E isto porque, segundo as interpretações que a maioria governamental avançou, tudo indica que estão a ser usados parâmetros (entre 1.3 e 1.5 m/s) correspondentes à velocidade de escoamento NORMAL (ver figura citando a HCB).
E se assim for, isto é um enorme erro. Enorme e perigoso em termos de protecção civil já que, cálculos muito preliminares indicam ter-se estado em presença de celeridades na gama 5 a 8 m/s que, naturalmente, apontam para tempos de chegada das pontas de cheia radicalmente diferentes das sugeridas no discurso do General.
Por tudo isto, desejo veementemente que as autoridades de protecção civil voltem a debruçar-se sobre a hidrodinâmica do Zambeze o que, desde logo, me parece significar impôr mais ordem e saber às tropas da oficial-engenharia. A não ser assim, receio bem que outros similares desastres continuem a acontecer.
E a propósito: HCB estás muda PORQUÊ ?
josé lopes
abril 2007
|