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a HCB e um diagrama de blocos
Mal nos cruzámos, percebi logo que Vitor Fernandes estava menos tranquilo do que é seu costume. Felizmente, foi ele que abriu a conversa:
“cada vez há mais pobres na rua... antigamente, éramos 2 ou 3 vagabundos ... e ainda havia alguma decência. Controlávamos o lixo desta área toda – do Polana à Ponta Vermelha ... quase 10 quarteirões. Comia-se, quand même ... e não faltava cartão para um gajo se tapar do frio.
agora não! as ruas estão lotadas – é só vagabundos ... e exércitos de pobres. E é incrível como até o lixo virou palco de porradas. Às vezes, nem eu sei encontrar um canto para descansar em segurança. Qualquer dia, até da rua me desempregam.”
“Mas então Vitor, porque é que tinhas urgencia em falar comigo ? “ - interrompi eu.
“É outra vez por causa de Cahora Bassa. Não percebo estes gajos ! ”
E foi assim que Vitor Fernandes começou a sua nova digressão pela HCB (Hidroeléctrica de Cahora Bassa).
Ao longo de meia hora ouvi-o elaborar sobre a gestão do seu Diagrama de Blocos, sobre depreciações contabilísticas - e o pano para mangas que elas têm -, e em particular sobre o sinking fund como método. Com inusitado fulgor, Vitor Fernandes cantou-me os encantos de uma boa contabilidade criativa ... e a sua indiscutível justeza em alguns casos - como no caso da HCB, dizia-me ele excitado.
Aparentemente, Vitor Fernandes não se preocupava muito com o facto de, à primeira vista, a sua análise HCB poder parecer estática. E embora admitisse que preferia deixar as actualizações para os numerológos de serviço, toda a gente sabia que o sobrepeso estático de alguns factores-chave sempre fora o seu modo dilecto de dinamizar a análise. Para ele, o NPV (net present value) era um mero recurso da mecânica – não da economia visionária. Sobretudo quando se projectava a construção de um país, ou de uma visão hidro-eléctrica.
Confesso que levei algum tempo a perceber como funcionava o diagrama de blocos de Vitor Fernandes. Na verdade, nem ele tinha a didáctica de um Feynman, nem eu estava particularmente brilhante na altura. Mas, finalmente, apreendi-lhe a lógica, e o que começou por me parecer bizarramente complicado, acabou por revelar-se cristalinamente simples.
Na sua abordagem da questão Cahora Bassa Vitor Fernandes partia de uma base que, à partida, me pareceu pacífica. Inclusive o bilião como milhar de milhão.
Segundo ele, durante os próximos 15-20 anos, os 12 000 GWh anuais de energia firme da HCB valiam 1.65 biliões Rand por ano (aproximadamente 188 milhões de EUROS p.a.) . Descontados os custos correntes, e uma hipoteticamente absurda taxa de 20% sobre receitas líquidas, isto significava que a HCB gerava uma pilha de cash na ordem de 1.1 biliões de Rand por ano líquidos. Uma pipa de massa ao dispor de contabilidades criativas, e à qual Vitor Fernandes chamava de Valor Socialmente Divisível – ou splitable income segundo sua sarcástica tradução.
Um Valor Divisível segundo as regras de um novo pacto social para a HCB – um novo arranjo estatutário em linha com os legítimos deveres, direitos e interesses de Moçambique e Portugal. E, muito embora até ao momento ninguém tenha vindo a terreiro definir muito bem as fronteiras dessas legitimidades, para Vitor Fernandes a questão não se punha – pelo menos neste momento em que tudo se poderia resumir a um quadro de simulações de cálculo.
Conservador que era, Vitor Fernandes construiu a sua matriz de cálculo partindo sempre da assunção de que, a existirem, as contas devidas são das primeiras coisas a pagar.
E, apesar das sua firme ideia quanto ao justo valor de uma suposta dívida HCB, na circunstância ele resumia isso à variabilidade de um parâmetro – a discutir mais tarde ... tão logo se conhecesse o relatório da UBS. No limite, porque ele até preferia testar a funcionalidade do seu modelo através do worst-case scenarium – uma espécie de acid-test à ideia.
Havia contudo um outro par de convicções de que ele não abdicava: a inversão da posição accionista na HCB a curto-médio prazo e, a possibilidade de usar a HCB como plataforma financeira para construir a fase Norte de Cahora Bassa, quando for caso disso.
Para Vitor Fernandes, o worst-case scenarium era cruelmente simples: à laia de uma putativa dívida, a HCB deveria exportar para os cofres públicos portugueses um total de 1.6 biliões de EURos – mais ou menos 14 biliões de Rands em suaves prestações anuais de 900 milhões de Rand, equivalentes a 80% do Valor Socialmente Divisível anual (1 136 milhões Rand/ano), e em linear correspondência com a inicial quota portuguesa – 80%.
Os restantes 227 milhões Rand anuais, correspondentes aos 20% moçambicanos da repartição do Valor Socialmente Divisível, serviriam para Moçambique ir adquirindo as acções portuguesas na HCB – eventualmente até o limite de 80%, como sugerível por várias razões.
Curiosamente, o modelo funcionava ... mesmo neste pior-caso. Em menos de 17 anos, Portugal importaria da moçambicana HCB a módica quantia de 1 600 milhões de EURos – mais 1.5% de mora anual se assim o quisessem ... e para que o saldo fosse terminalmente final. No entretanto, Moçambique assumiria 80% das acções HCB em 8 anos, altura em que os fundos moçambicanos poderiam vir a ser alocados à mobilização financeira para construir Cahora Bassa Fase II (North Bank). Uma operação que até poderia começar mais cedo se fosse caso disso – bastaria re-orientar a ainda intocada margem de 284 milhões de Rand/ano dos impostos a 20% sobre as receitas líquidas.
Subitamente, Vitor Fernandes pirou-se quando uns molwenes lhe fizeram sinal da esquina - havia lixo gordo em frente ao Polana Shopping Center ... fresco, e acabadinho de deitar fora.
Uns passos andados, virou-se para trás e sugeriu:
agora faz as contas para um cenário mais decente. Vais ver que, para além de todo o resto, a coisa ainda dá para financiar um alto programa de energia solar. E sobretudo não te esqueças de uma coisa: estas são contas de compra. Um dia hei-de falar-te sobre modelos de venda. Quem disse que a água não vale tanto como o petróleo ?
Por sorte, Vitor Fernandes não apagou o diagrama de blocos que havia desenhado no chão.
josé lopes
maio 2004 |
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maio 2004 |
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simulation data
forex rates (antecipados)
1 USD = 8 ZAR (Rand) 1 EURO = 1.1 USD
tarifas aplicáveis negociadas com a ESKOM para 2007 onwards 12.5 cRand/kWh
equivalente a 1.56 cUSD/kWh, ou 1.42 cEUR/kWh |
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receitas anuais
energia firme 1 500 M ZAR/ano
valor extra de pico 150 M ZAR/ano
Receita Annual Total
1 650 Milhão ZAR/ano
equivalente a 206 milhão USD/ano ou 188 milhão EUR/ano |
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custos correntes HCB
menores que 230 milhão Rand/ano |
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+ imposto 20% sobre receitas líquidas
284 M ZAR/ano |
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Valor Socialmente Divisível
1 136 milhões Rand /ano |
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valor económico dos activos HCB 400 milhões Euros
+ recente modernização 33 milhões Euros
intervalo da dívida HCB a Portugal
[ 0 - 1 600 milhões Euros] |
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