ecomafias nas rotas do Índico |
Ilaria Alpi,
uma jornalista italiana que aos 32 anos foi assassinada em Mogadishu (Somália) quando trabalhava para a TV RAI 3.
Para além de beleza, de Ilaria os colegas recordam o rigor e tenacidade jornalística … e que o microfone era a sua arma! |
xitizap # 1 20/03/2003 |
Ilaria Alpi e ecomafias no Índico
Fluente em arábico, Ilaria Alpi havia construído a sua reputação de jornalista batendo ruas, picadas e desertos da Somália - e muitos corredores em Itália -, para confirmar fontes, pesquisar traços e rotas, conhecer as comunidades em reportagem, incluindo as da bandidagem.
Ilaria reportava a Somália desde 1992, país que visitou 4 vezes, e quando a 12 de Março 1994 desembarcou em Mogadishu, foi Miran Hrovatin quem se lhe juntou como cameraman. Para Miran, um freelance de Trieste, este era o seu primeiro job na Somália.
Oficialmente, nesta reportagem para a RAI 3 Ilaria Alpi cobriria a retirada dos boinas azuis italianos que na Somália participavam na operação UNISOM. E, para além de ela, uma imensa catadupa de jornalistas e estações de televisão já ali salivavam com o escândalo mediático da época - a violência bárbara de alguns militares italianos denunciada pela população somali.
Tal como os outros, Ilaria cobria o Mogadishu do dia, mas ela podia ir mais longe porque já então seguia o rasto de criminosas serpentes. E, de facto, uma caudalosa torrente de provas viria a estabelecer que Ilaria seguia a pista de um hediondo tráfico trocando armas por lixos.
Um tráfico que já em finais de 1992 a imprensa internacional havia começado a reportar, e de onde ressaltavam obscuras empresas e instituições europeias. Um tráfico que contrabandeava armas do ex-Pacto de Varsóvia ao preço de despejos de tóxicos e escórias radioactivas.
No caso da Somália, por exemplo, os senhores da guerra haviam aceite vender um país por um punhado de colts e 10 paus de amendoím, convertendo-o num gigantesco depósito de lixos internacionais - lixos a serem depositados em terra, ou descarregados na costa somali do Índico.
Dias depois da chegada a Mogadishu, e contra a corrente do jornalismo grand hotel, Ilaria e Mirian decidiram partir para Bosaso - uma pequena vila portuária no norte somali onde se sabia que, por entre casos de piratarias várias, as milícias locais haviam apreendido um navio muito particular: o Faarax Oomar - um navio oferecido pela cooperação italiana e que, oficialmente, se ocuparia de pesca e transporte de peixe.
Mas, a Ilaria, ao invés de peixe, a frota italo-somali Shifco (que agenciava o Faarax Oomar) cheirava-lhe a armas e resíduos tóxicos.
Em Bosaso, Ilaria entrevista a tripulação do navio (oficiais italianos e marinheiros somali) e, embora a kassete que oficialmente restou da entrevista aos oficiais registe notórios apagões, percebe-se que Ilaria se interessava muitíssimo pelo conteúdo da carga do Faarax Oomar.
Ilaria e Miran entrevistam ainda Ali Mussa Boqor - King Kong, de seu nome de Guerra -, e para que este Ras se relaxasse o mais possível durante a entrevista, Ilaria pede ao operador que desligue a camera - Miran desvia a objectiva, mas continua a registar o som.
E é nesta entrevista que King Kong lhes confirma que, segundo declarações dos seus piratas, ao invés de pesca, Faarax Oomar era mais um dos navios do tráfico internacional de tudo o que era lixo: armas, resíduos tóxicos, escórias radioactivos.
A 20 de Março 1994 Ilaria e Miran regressam a Mogadishu onde desembarcam por volta das 12:30.
Ilaria telefona imediatamente para Roma pedindo tempo de satélite de modo a que, por volta das 19, pudesse enviar o seu material televisivo - um material interessante sobre o qual falariam depois, como referiu à produção. Segundo conta o seu produtor da RAI 3, naquele momento Ilaria estaria ansiosamente apressada em busca de uma confirmação, e por isso urgia que ela se deslocasse imediatamente à zona norte de Mogadishu - uma zona controlada pelo contigente italiano UNISOM.
Carinhosa, Ilaria soube ainda encontrar tempo para telefonar a sua mãe ... por uma última vez.
Acompanhados por dois somalis - um guarda-costas e um motorista - Ilaria e Miran saem do seu hotel, o Sahafi, por volta das 14:45 - e partem em direcção ao Amana Hotel onde permanecem poucos minutos. Regressados à viatura, e mal haviam começado a descer a ladeira do Amana, são emboscados por 7 gangsters que já há algum tempo haviam estacionado um Land Rover do outro lado da rua.
Bloqueados e desprotegidos, Ilaria Alpi e Miran Hrovatin foram então cobardemente assassinados, pouco passava das três da tarde de 20 de Março 1994.
Alertados pelos tiros, dois freelance cameraman correm para o local e registam os momentos finais da emboscada, e notam que o motorista e o guarda-costas não sofreram um arranhão sequer.
E é Michael Maren, um americano trabalhando para a USAid, quem reporta ter visto, umas horas depois da emboscada, a kassete integral de um dos dois cameramen - no hotel Sahafi e a convite do próprio operador de imagem grego Carlos Mavroleon.
Para além da transferência dos corpos de Ilaria e Miran para um Toyota Land Cruiser que foi imediatamente identificado, Michael Maren reporta a recolha de dois walkie-talkies da viatura onde seguiam os jornalistas, e a apropriação do bloco de reportagem de Ilaria.
Incidentalmente, poucos meses depois o freelance grego da ABC News foi encontrado morto numa pousada de Kabul, e Vittorio Lenzi, o outro cameraman freelance, morreria vítima de um inexplicado acidente de viação, perto de Lugano. Nesses entretantos, as duas kassetes do video integral desapareciam misteriosamente.
Mas se eram certamente somalis os 7 executores, como o revelam os minutos de imagem TVs, de imediato se ergueu uma imensa comunidade, clamando:
e os mandantes quem são ?
Dois dias depois do duplo assassinato em Mogadishu, a Procuradoria de Roma decidia abrir um inquérito e, já a 4 de Julho 1994, Giorgio e Luciana Alpi, os pais de Ilaria, falavam em sumária execução. Na altura, o pai faz recordar a entrevista ao Ras de Bosaso e refere-se ao desaparecimento do bloco de reportagem da jornalista.
E é em Janeiro 1995, aquando de um inquérito aos podres da cooperação italiana com os países sub-desenvolvidos, que a Camera dei Deputati levanta o caso Ilaria Alpi - a propósito de uma presumível relação entre os tráficos e a frota pesqueira italo-somali Shifco. Um corajoso gesto de protagonismo deste outro poder de estado porque, afinal, e como parecia ser costume em Itália, o poder judicial continuava a perder-se em ardilosos labirintos, dos quais um dos mais grosseiros seria o modo como Ilaria e Miran teriam sido executados.
De facto, e ao contrário do que os oficiais forenses pretendiam registar nos processos, Ilaria e Miran não haviam sido mortos em fogo cruzado de AKMs numa vulgar emboscada do Mogadishu de então.
Isto porque, a 25 Junho 1996, a Procuradoria de Roma havia ordenado uma segunda perícia balística sendo que os resultados já induziam balas disparadas a curta distância. Uma conclusão a que chegaria também uma outra perícia médica de 18 Novembro 1997 efectuada por uma equipa de três médicos escolhidos pelos familiares de Ilaria, e outros três nomeados pela itália das autoridades.
E foi assim que, após duas penosas exumações, se concluía irrefutavelmente que, afinal, Ilaria Alpi havia sido cruelmente executada com um tiro na nuca.
Mas os anos iam passando, e a justiça italiana não avançava. Embrulhada em truques processuais, a justiça oficial preferia o labirinto das prescrições.
Até que, 4 anos após o assassinato de Ilaria e Miran, e já na fervura de incontornáveis pressões, a secreta italiana monta um teatro que lhe permite capturar Hashi Omar Hassan (um dos 7 executores visualizados nas coberturas TV).
Estava-se em Janeiro de 1998, e a propósito de aberrações praticadas por alguns soldados italianos durante a operação UNISOM, o somali Hashi Hassan chegava a Roma para depor a convite de uma comissão de inquérito parlamentar.
Mentalmente diminuto, e propenso a exibicionismos rasca, o gangster somali facilmente engole a isca das secretas e a 12 de Janeiro 1998 é detido em Roma onde, em tribunal, é positivamente identificado pelo motorista somali de Ilaria.
Só um ano depois começaria o processo Hashi Omar Hassan, e a 9 de Junho 1999 o procurador de Roma exige prisão perpétua - uma pena que o tribunal sentenciaria cinco meses depois.
Mas, pouco mais tarde, e para espanto geral, a 1a secção penal da Cassação aparece a anular a sentença com base num recurso referindo um suposto exagero de agravantes e subestimação de circunstancias genericamente atenuantes. Controversamente, o recurso é deferido, e o criminoso é solto.
Sete meses depois, no tribunal de recurso de Roma, o procurador Cantaro insiste em prisão perpétua mas o tribunal, agora presidido por Enzo Rivellese, delibera converter a perpétua em 26 anos de prisão.
Estava-se em Junho 2002 …
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