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Koeberg – um Cabo de muitas tormentas

 

 

apesar de usualmente bem posicionada no americano index INPO(segurança e fiabilidade em centrais nucleares), e de ser uma recém-candidata ao prémio EDF na categoria PWR, vários são os tormentos que atravessam a segurança da sul-africana Central Nuclear de Koeberg -  a única em África.

 

Contratada em 1976 à francesa Framatome, a Central de Koeberg, com dois reactores gémeos 900 MWe (padrão EDF), entrou em serviço comercial em 1984-85 e, embora se tenha tornado uma das mais económicas centrais da Eskom, a sua meia-idade não chegou sem dramas – com acidentes e incidentes.

 

O primeiro incidente conhecido ocorreu em 1982 quando, em plena luta anti-apartheid, o braço armado do ANC (uMkhonto weSizwe) plantou várias minas nos estaleiros da construção de que resultaram quatro explosões em dois dias causando danos estimados em Rand 500 milhões, e um atraso de 18 meses na entrada em serviço da Central. Na altura, um comunicado do ANC emitido em Dar es Salaam reivindicava o ataque considerando-o como uma retaliação ao raid sul-africano contra uma base ANC em Maseru.

 

Pouco tempo depois, Koeberg regressou ao mui censurado domínio público quando grandes quantidades de peixe morto, incluindo tubarões, foram bombeadas para o mar a partir da zona de tomada de água de refrigeração da Central. Embora aconselhando as pessoas a não comerem o peixe, a Eskom apressadamente “garantia” que, apesar de contaminada, a peixeirada não era radioactiva.

 

Ainda em 1982, uma outra controvérsia pública irrompe aquando de uma disputa entre o município de Cape Town e a Eskom a propósito da fragilidade e potencial inépcia dos planos de emergência em caso de acidente nuclear. Incidentalmente, note-se que, para alguns especialistas, estes planos de 1982 são quase idênticos aos que, 24 anos depois, o National Nuclear Regulator diz estarem em vigor. Na altura, em pleno apartheid freneticamente louvando o poder nuclear civil, e secretamente o militar, Dr RJ Coogan, o médico-chefe de Cape Town, chegou mesmo a promover uma petição solicitando à AEC a retenção da licença de operação de Koeberg.

Dessa circunstância restou a marca “Gone Fission Safari”.

 

Um ano após a entrada em exploração comercial (1984/85), a Central de Koeberg foi obrigada a uma paragem em resposta a um “alerta nuclear”. Na ocasião, e tal como agora com o caso do parafuso de 8 cm, detectou-se a presença de estranhas substancias metálicas embebidas em alguma da tubagem de aço. Posteriormente, as investigações demonstraram que se tratava de etiquetas metálicas que, por negligência, ali haviam sido deixadas – uns centavos de peçazitas punham KO uma central de Rand 3 biliões.

 

Mais tarde, em 1993, e já quase no fim da era apartheid, FW de Klerk frustrou uma iniciativa dos lunáticos AWB que planeavam sabotar Koeberg. Um ano depois, uma conferência do ANC recomendava que não fossem construídos mais reactores nucleares na África do Sul.

 

Um outro lapso de segurança em Koeberg aconteceu em Agosto 2002, em plena Cimeira da Terra em Durban (RSA), quando a organização Greenpeace se infiltrou no perímetro de segurança de Koeberg e içou bem alto um mega-cartaz “Nukes Out of Africa”. Para o Greenpeace, a pantomina servia para evidenciar a vulnerabilidade da segurança em Koeberg onze meses após o 9/11 em New York.

 

Mas quando tudo indicava que a Central de Koeberg havia regressado à controlada fissão nuclear, eis que em Novembro 2005 a Eskom é obrigada a controlar três paragens dos reactores – duas delas devidas a falhas na rede HV, sendo que a terceira (24 Nov 2005) resultou de problemas químicos no sistema de segurança da injecção.

 

Entretanto Dezembro 2005 chegou, e com ele um dos mais bizarros incidentes em centrais nucleares. Por razões ainda não completamente apuradas, um parafuso soltou-se e entrou em alta rotação na zona do gerador danificando os enrolamentos (barras) do rotor e estator do gerador 1 e parte dos seus sistemas de refrigeração.

 

Desde então multiplicam-se os blackouts na região do Cabo Ocidental, com prejuízos directos já estimados em Rand 1 bilião, e a chegada do Inverno certamente alastrará a crise a outras regiões da África do Sul. Nomeadamente porque os sistemas de transmissão HV oriundos de Gauteng e Mpumalanga (zonas das centrais térmicas a carvão) têm sido, eles próprios, objecto de grande instabilidade operacional.

 

Dado que, no caso do Cabo Ocidental, estes sistemas de transmissão fazem fluir apenas metade da electricidade consumida, e sobretudo porque eles representam um papel crucial nas linhas de segurança da central de Koeberg, tem sido assustadoramente anormal a frequência das paragens controladas e do número de estados de emergências dos reactores nucleares – um bizarro e perigoso caso de stress operacional.

 

Legitimamente preocupados com a segurança nuclear e custos de todos estes blackouts, muitos dos habitantes de Cape Town, e não só, fazem coro com a Earthlife, um grupo ambientalista anti-nuke, na exigência de uma revisão independente da segurança da Central de Koeberg.

 

Num press release recentemente distribuído, a Earthlife exprimiu a sua preocupação com o que descreve como “secretismo, não-abertura e manipulação intencional dos registos de segurança e de saúde” em Koeberg. Para a Earthlife, os registos de segurança deverão ser disponibilizados para revisão completamente independente, ao passo que os registos de saúde e morte de ex-trabalhadores deverão ser sujeitos a uma comissão de inquérito judicial.

 

No mesmo press release, a Earthlife refere-se ainda a outras preocupações quanto a questões operacionais na Central, tais como o modo como foi re-arrumado o combustível já gasto, o uso de deficientes selos termo-binários, as stressantes condições de trabalhos dos operadores e o modo como as questões operacionais são reportadas e resolvidas, ou não.

O envelhecimento da infra-estrutura e componentes são outra das causas das preocupações Earthlife.

 

Entretanto, alegando razões de design e de segurança operacional, a Eskom afirma-se segura e afasta qualquer possibilidade de um acidente tipo Chernobyl,.

 

Toda a gente espera que sim.

 

josé lopes

 

março 2006

 

ps – estas notas baseiam-se em múltiplos artigos publicados na imprensa sul-africana. São tantos que não dá para os citar - basta qualquer consulta Internet para se dar com eles.